Revista
Continente Multicultural
A
polêmica cordialidade
Mário Hélio
Cordial.
Quando o historiador Sérgio Buarque de Holanda escreveu
a palavra no título do quinto capítulo do seu livro
mais conhecido, Raízes do Brasil, não imaginou que
enfrentaria por ela uma polêmica com um seu colega modernista
e paulista.
Em 1948 (a edição original de Raízes do Brasil
é de 1936), Cassiano Ricardo publicou artigo na revista
Colégio questionando o sentido da cordialidade do brasileiro,
e sugerindo em seu lugar o termo bondade.
A expressão homem cordial foi tomada de empréstimo
por SBH ao poeta Ribeiro Couto, que a empregara numa carta ao
escritor mexicano Alfonso Reyes. Ele quis que ela tivesse um sentido
exato e etimológico vinculada a cordis, coração.
Não foi o seu objetivo dotar a palavra de qualquer sentido
ético. Cordialidade não queria dizer algo necessariamente
positivo.
Homem cordial é o contrário de homem civilizado,
polido, e se manifesta na lhaneza no trato, hospitalidade,
generosidade. Ao invés de expressar boas maneiras,
externaria um fundo emotivo extremamente rico e transbordante.
Essa cordialidade tinha alcance limitado. Estava diretamente relacionada
com o estágio colonial e rural da formação
do Brasil, quando as relações são familiares
e íntimas. Já no seu clássico, SBH reconhecia
que a expressão homem cordial não seria
mais adequada para definir o brasileiro. No entanto, vale lembrar
algumas das características básicas desse homem
nacional:
Relações sociais pautadas pelo familismo e simpatia,
contrárias à impessoalidade e ritualismo. A preferência
por nomear-se as pessoas usando-se o prenome e não o sobrenome.
O gosto pelos diminutivos na linguagem serviria para tornar os
objetos e pessoas mais íntimos. Assim, estariam mais
acessíveis aos sentidos e mais próximos do
coração.
A ética do homem cordial é de fundo emotivo. As
suas relações se baseiam na simpatia e antipatia.
A afetividade pode ser superficial, de aparência, nem sempre
sincera. E a cordialidade também se manifesta no campo
religioso, marcado no Brasil pela falta de rigor e profundidade.
A cordialidade é a vitória da indisciplina e da
falta de coesão.
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Visão
de Sérgio Buarque
O crítico
FONTE:
Revista -
Continente Multicultural - Edição 19, julho/2002.
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