Unicamp
imortaliza legado de Lattes
Nice Bulhões
DA AGÊNCIA ANHANGÜERA
nice@rac.com.br
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Em cerimônia que reuniu a família e amigos, universidade
homenageia o físico no dia em que se completou um ano de
sua morte |
É
como se o físico César Lattes estivesse sentado à
mesa de seu escritório, em casa, fumando como de costume, sua
mulher Martha estivesse entrando para servir um cafezinho aos visitantes
e ao seu companheiro, referindo-se a ele, carinhosamente, como "meu
filho" . Na cabeça dos visitantes, ainda a música
Primavera, uma das Quatros Estações, de Vivaldi, a preferida
de Lattes. A música embalou ontem a cerimônia em homenagem
póstuma ao professor, cujo nome foi emprestado à Biblioteca
Central da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). No terceiro
andar do prédio, o escritório de Lattes foi reconstituído,
onde um dos maiores cientistas brasileiros continua vivo em espírito.
A
homenagem ocorreu na data de primeiro aniversário da morte de
Lattes, aos 80 anos em decorrência de uma parada cardiorespiratória.
Sua mulher Martha faleceu em outubro de 2002. Com o descerramento da
placa, foi a hora de subir até o terceiro andar do prédio.
Foi quando as quatros filhas, todas Marias - Maria Carolina, Maria Lúcia,
Maria Tereza e Maria Cristina - se depararam com o escritório
particular do pai reconstituído. As lembranças brotaram.
Os olhos lacrimejaram. "É como se ele estivesse aqui"
, disse a filha Maria Carolina Siqueira Netto Lattes. "Doamos o
acervo para perpetuá-lo na memória e para que todos pudessem
ter a acesso à parte afetiva de meu pai e não apenas à
parte científica."
O
último cigarro continua no cinzeiro em cima da mesa de seu gabinete.
Os dois chapéus de palha, presentes de aniversário da
ex-aluna e colega de trabalho Dinah Augusta Barreto Serra, permanecem
presos à estante. "Dei para o Lattes no final da década
de 70" , lembrou. A uma pequena distância, os olhos da filha
Maria Lúcia Lattes Romeiro percorreram os retratos da família
na parede. "A Unicamp teve o cuidado de reproduzir o espaço
como era, o sofá nem foi forrado. É como se o meu pai
estivesse sentado e pedindo algo." Para a filha Maria Tereza Siqueira
Netto Lattes Borçato, a reconstrução do escritório
foi um alívio. "Estou em casa e posso vir aqui recarregar
as baterias."
A
família reunida no evento trouxe boas lembranças para
Maria Cristina Lattes Vezzani. "Ele conseguiu reunir todos de novo."
Para o amigo Alfredo Marques de Oliveira, pesquisador do Centro Brasileiro
de Pesquisas Físicas (CBPF), o momento foi de muitas recordações.
"Que os ventos mágicos levem para as alturas iluminadas
que o Lattes se encontra o nosso agradecimento pela herança deixada
por ele." O pesquisador Edison Hiroyuki Shibuya, do Departamento
de Raios Cósmicos e Cronologia do Instituto de Física
Gleb Wataghin, disse que Lattes tinha traços marcantes de brasilidade.
Shibuya lembrou quando Lattes foi levado pelo físico Marcello
Damy de Souza Santos para participar da construção da
Unicamp. "Foi quando um cachorro o encontrou na obra" , disse,
referindo-se a Gaúcho, adotado por Lattes.
O
reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge, afirmou que Lattes colocou
o Brasil no mapa da pesquisa científica internacional. "Suas
pesquisas foram fundamentais no desenvolvimento da física"
, disse. Para Jorge, Lattes lutou no fim da década de 40 para
convencer as autoridades de que o País deveria investir em ciência
e tecnologia. "Naquela época, isto era dispêndio desnecessário."
Por isto, lembrou, Lattes emprestou seu nome à base de dados
de currículos do País. O Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) o homenageou criando a
Plataforma de Lattes. "César Lattes é eterno!"
, finalizou.
Meson
pi fez cientista entrar para a história
Batizado
como Cesare Mansueto Giulio Lattes, o físico, nascido em Curitiba
em 1924, marcou seu nome na história da Ciência exatamente
em 24 de maio de 1947, quando a prestigiada revista científica
inglesa Nature anunciou que havia descoberto e comprovado a existência
de uma partícula decisiva na exploração do átomo:
a subatômica meson pi, descoberta na radiação cósmica.
Em 1948, foi para Berkeley (EUA) e observou a existência desta
mesma partícula liberada nas colisões em máquina.
Por estas duas descobertas, Lattes poderia ter recebido o Prêmio
Nobel. "Me tungaram duas vezes" , disse Lattes, em 2001. (NB/AAN)
A
FRASE
"Cientistas
de seu nível ocorrem raras vezes em cada geração
e poucas universidades do Exterior têm a oportunidade de poder
contar com cientistas de seu nível em seu corpo docente."
JOSÉ
TADEU JORGE - Reitor da Unicamp, ao ler a carta do físico Marcello
Damy de Souza Santos, criador do Instituto de Física da Unicamp,
datada de 5 de agosto de 1969
Fonte:
Correio Popular - Caderno Cidades - 09/03/2006