O
Estado de São Paulo
Unicamp
guarda raridades de Sérgio Buarque
SILVANA GUAIUME -
Correspondente

Divulgação
Sérgio
Buarque ao lado de seus familiares: uma das imagens que
compõem o material iconográfico pessoal,
que está em Campinas.
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CAMPINAS
- Uma guerra. Assim foi definida na época a brava
disputa entre a Universidade de São Paulo (USP) e
a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 1983.
Por meses, as duas instituições correram contra
o tempo e lançaram mão de irrefutáveis
argumentos para conseguir adquirir a biblioteca que pertencera
a Sérgio Buarque de Holanda.
A
favor da USP, o fato de que o jornalista e historiador havia
pertencido a seu quadro de professores e contribuído
de maneira fundamental para a criação do Instituto
de Estudos Brasileiros. Pela Unicamp, Sérgio Buarque
tinha especial apreço. Antes de morrer, em 1982,
fez apenas duas recomendações, que a biblioteca
fosse entregue aos cuidados de uma universidade e paulista.
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No
fim do ano de 1983, a Unicamp conseguiu arrecadar 100 milhões
de cruzeiros e venceu a batalha final. A valiosa biblioteca
foi transferida para a Biblioteca Central da universidade campineira.
Com as orientações da família de que o
acervo não fosse pulverizado e a disposição
dos móveis se mantivesse tal qual era no escritório
do historiador. Assim foi feito.
As
seis estantes de madeira nobre ocupam a primeira parte do acervo,
batizado com o nome do eterno proprietário. A poltrona
em que Sérgio Buarque de Holanda gostava de se sentar
para leituras diversas também está no mesmo lugar,
ao lado da escrivaninha, sobre a qual descansa uma máquina
de datilografar da década de 20, em que ele escreveu
Raízes do Brasil.
Do
lado direto da máquina, o Troféu Juca Pato de
intelectual do ano, recebido por Sérgio Buarque em 1979.
À esquerda, o Jabuti de 1980 por seu trabalho como crítico
literário. A cadeira de palhinha fica em frente da escrivaninha,
próxima a uma escada de três degraus usada pelo
historiador para facilitar o acesso às estantes. A universidade
teve de comprar outras estantes, de metal, para abrigar adequadamente
todas as obras.
A
biblioteca transferida para a Unicamp compreende 8.513 volumes,
sendo 227 títulos de periódicos, 74 rolos de microfilmes
que tratam de relações diplomáticas entre
Brasil e Estados Unidos e 600 obras raras, mantidas em uma sala
especial. Com exceção das peças raras,
o acervo é livre, pode ser consultado por qualquer interessado.
Mas
há que se ter certo entendimento de línguas. Por
serem edições originais, e não traduzidas,
adquiridas nas inúmeras viagens de Sérgio Buarque
ao exterior, muitas obras estão em alemão, francês,
italiano e espanhol. Há detalhes curiosos como letras
góticas impressas em papel-linho.
O
mais antigo volume da biblioteca, mantido na sala dos raros,
é uma coletânea de narrativas de viagem organizada
no século 16, entre 1554 e 1559, por Giovanni Battista
Ramusio e publicada em Veneza, em três volumes. São
pouquíssimos os exemplares dessa obra no mundo. No terceiro
volume, há um tosco mapa do Brasil, retratando um trecho
do Nordeste.
Outras,
entre as muitas curiosidades, são o manuscrito Cálculo
da População do Brasil em 1820, de autor desconhecido,
e o Memórias para a História da Capitania de São
Vicente, hoje chamada de São Paulo, de 1797, de Frei
Gaspar e Madre de Deos. Parte das obras trata de história,
sociologia, filosofia e antropologia. Também há
literatura.
Dos
livros nacionais, 80% trazem dedicatória, mensagens carinhosas
de Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Carlos Drumond
de Andrade, Rachel de Queiroz e Fernando Sabino, entre muitos
outros. Segundo a bibliotecária Tereza Cristina de Carvalho,
uma das responsáveis pelos acervos especiais da Unicamp,
a coleção é procurada principalmente por
estudiosos e pesquisadores.
Tereza
conta que um pesquisador chegou a passar sete anos debruçado
sobre os livros da biblioteca para defender uma tese. Ela reconhece
que as obras em diferentes línguas dificultam o acesso
do estudante de graduação. Aos olhos de entendedores,
o acervo é um valioso patrimônio histórico
e cultural, reunido por um dos mais versáteis pensadores
do Brasil. E modernista.
Apesar
de não ter participado da Semana de Arte Moderna de 22,
Sérgio Buarque tornou-se membro do movimento ao representar
a revista Klaxon, editada em São Paulo pelos modernistas.
Dois
anos depois de comprar a biblioteca de Sérgio Buarque
de Holanda, a Unicamp recebeu uma grata notícia. A família
decidiu juntar ao acervo da universidade documentos pessoais
do historiador. A primeira remessa de manuscritos foi enviada
em 1985, lembra a arquivista Neire do Rossio Martins. Seguiram-se
outras e até hoje os parentes continuam encaminhando
documentos ao Arquivo Central.
Recentemente,
a família enviou os originais da obra póstuma
O Extremo Oeste, publicada em 1986. As duas coleções
são mantidas em separado. Na Biblioteca Central da Unicamp
ficam os livros e no Arquivo Central, os documentos pessoais.
Há desde a certidão de nascimento do historiador
até bulas de remédios.
A
coleção pessoal foi dividida em seis séries,
sete subséries e quatro dossiês temáticos.
A Série Vida Pessoal (1902-1982) inclui itens como fotos,
certidões, documentos, medalhas, cartões e entrevistas
publicadas na mídia. A Série Correspondência
(1925-1982) tem originais de cartas enviadas e recebidas pelo
historiador. Relatórios, discursos, prefácios,
monografias, cadernos de anotações de pesquisa
e manuscritos de Sérgio Buarque, além de resenhas
e críticas publicadas, estão na Série Produção
Intelectual (1912-1982).
Há
ainda as Séries Produção de Terceiros (1971-
1982), com material de outras pessoas acumulados pelo historiador;
Homenagens (1982- 1988), documentos recolhidos pela família
após sua morte; os dossiês do Centro Brasil Democrático,
do Instituto de Estudos Brasileiros, do Museu de Arte Moderna
e de Prudente de Moraes Neto (correspondências e artigos).
A
maior parte do arquivo pessoal está digitalizada, para
facilitar pesquisas, explica Neire. Tereza lembra que a bibliografia
da coleção de livros segue o mesmo caminho: até
o fim do ano, deve estar disponível na internet.
FONTE:
O Estado de São
Paulo - Caderno 2 - 20/07/2002
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