Sérgio Buarque de Holanda e o movimento modernista

O fundo Sérgio Buarque de Holanda é um dos mais procurados pelos pesquisadores no AC/SIARQ. Reúne documentos produzidos e acumulados pelo jornalista e historiador que refletem a sua vida e obra. Entre correspondências, cadernos, recortes de jornais, fotografias e outras espécies documentais, estão informações sobre a relação de Sérgio Buarque de Holanda (SBH) com o movimento modernista, cujo marco – a Semana de Arte Moderna de 1922 – chega ao seu centenário em fevereiro deste ano.

Embora não tenha participado pessoalmente do emblemático encontro no Theatro Municipal de São Paulo, o historiador se tornou, naquele ano, colaborador e representante da revista Klaxon, editada em São Paulo pelos modernistas e umas das principais publicações do movimento. Cartas trocadas entre SBH e Mário de Andrade, que estão no conjunto documental custodiado pelo AC/SIARQ, refletem não somente a amizade entre eles, mas a tarefa em comum de reverberar o modernismo paulista entre os cariocas.

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 Em 1924, SBH fundou no Rio de Janeiro, juntamente com Prudente de Moraes e Afonso Arinos de Melo Franco, a revista Estética, também sintonizada com a revolução cultural proposta pelos artistas e escritores, mas de caráter mais crítico ao próprio modernismo. No primeiro volume, estão artigos de Graça Aranha, Mário de Andrade, Rodrigo Mello Franco de Andrade, Couto de Barros, Afonso Arinos e outros. Porém, antes mesmo de Estética, Sérgio, já de olho em uma possível revolução cultural, já havia publicado em periódicos como Revista do Brasil, Correio Paulistano, e Fon-Fon. O primeiro artigo, em 1920, no Correio Paulistano, chamava-se “Originalidade Literária” e defendia a necessidade de uma “literatura nacional”. “O Brasil há de ter uma literatura nacional, há de atingir mais tarde a originalidade literária, a inspiração em assuntos nacionais, o respeito de nossas tradições e a submissão às vezes profunda da raça, acelerarão esse resultado final”, expõe SBH no artigo.

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  Ao explorar os documentos, percebe-se não apenas uma relação particular do autor com os participantes da Semana de Arte Moderna, mas principalmente ideias que definiriam o perfil do ensaio da década de 1930, em que SBH atuaria como “intérprete do Brasil”, culminando na publicação de “Raízes do Brasil”, cuja primeira edição é de 1936. Acima de tudo, o jornalista destaca a quebra do formalismo das velhas tradições, ampliando a atenção para estudos sobre o interior do país. A obra, com traços modernistas, expõe uma nação em processo de mudanças, com possibilidades de vencer retrocessos e deixar de ser essencialmente um país agrário. Nas palavras do próprio Sérgio, “Raízes do Brasil” foi uma tentativa de fazer algo novo, para quebrar com a glorificação patriótica dos heróis do passado”.

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 Ainda na segunda metade dos anos 1920 e início da década seguinte, Sérgio passa por uma fase de revisão do modernismo e lhe imputa diversas críticas, sem negar a originalidade e a força do movimento para as mudanças intelectuais. Seu posicionamento, que censuraria a incapacidade de criação artística espontânea e exaltaria o espaço de experiência como essencial na construção de um pensamento original sobre a identidade brasileira, também pode ser percebido a partir de correspondências e artigos enviados a periódicos, como Revista do Brasil e Jornal do Brasil.  

O Fundo SBH, constituído em 1986 no AC/SIARQ, é aberto ao público para consulta e desperta diversas possibilidades de pesquisa. É possível, por exemplo, levantar questões sobre a formação intelectual de SBH, como obras lidas, diálogos, círculos sociais que frequentava, movimentos e instituições dos quais fez parte. Para saber mais, acesse o catálogo.

Modernismo: legado, provocações e análises que transcendem o século XX 

Há cem anos, o modernismo paulista reverbera como uma das principais referências culturais do século XX. Influenciado pelas vanguardas europeias, simboliza uma série de renovações e mudanças na arte do país, que surpreendeu desde seu início. O momento era de fim de uma grande guerra mundial e tudo se renovava nas estruturas políticas, sociais e intelectuais. No Brasil, a industrialização de São Paulo, sua subsequente colocação como potência econômica e a consolidação do capitalismo também possibilitaram a fertilização de um terreno de transformação. Esse cenário foi aliado à discussão de uma estética nacional autêntica.

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 Assim, a Semana de 1922, realizada entre os dias 13 e 17 de fevereiro, anunciou, com suas exposições, recitais, conferências e apresentações musicais, a chegada ruidosa de um movimento que buscava renovar o jeito de se fazer arte no Brasil. Durante três noites apresentaram suas obras jovens escritores como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Sérgio Milliet, Plínio Salgado e o músico Heitor Villa-Lobos. No saguão do teatro eram expostos trabalhos de artistas plásticos como Anita Malfatti e Vítor Brecheret. O tom da semana foi de crítica a artistas e estilos consagrados nos meios acadêmicos.  O discurso de abertura da Semana esteve a cargo de Graça Aranha, que dizia: “Da libertação do nosso espírito sairá a arte vitoriosa”. No mesmo ano, a revista Klaxon começava a ser distribuída. Embora com curta duração, apenas oito números, ajudou a divulgar ideais e princípios estéticos do modernismo. 

Um dos principais temas que despertam atenção dos pesquisadores é a origem do movimento, patrocinado pelo Correio Paulistano, jornal conservador que pertencia ao Partido Republicano Paulista (PRP). Menotti del Picchia, um dos mais importantes nomes da Semana, era redator. O grupo de artistas que deflagraram o movimento modernista no evento, contou com a simpatia inicial das elites políticas paulistas e do seu desejo de uma arte refinada. No entanto, o modernismo no Brasil não se restringe ao estado de São Paulo. Ao integrar várias tempos e espaços, as formas de pensar o moderno também abrangeram intelectuais e artistas de estados como Minas Gerais, Pernambuco e Rio de Janeiro. O modernismo desdobrou-se, nas décadas seguintes, em posições estéticas e filosóficas mais profundas, por meio de obras literárias e artísticas.

Fontes consultadas:

CARVALHO, Raphael Guilherme. Experiência e expectativa: Sérgio Buarque de Holanda, o modernismo, a história. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História da ANPUH, São Paulo, 2011. Disponível em www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300870822_ARQUIVO_ArtigoRaphaelCarvalhoAnpuh.pdf. Acesso em 14 de fevereiro de 2022.

MONTEIRO, Pedro Meira. Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda: Correspondência. São Paulo: Companhia das Letras, Edusp, 2012.

PINTO, Manuel da Costa. Um intérprete modernista do Brasil. Revista Cult, 2002. Disponível em revistacult.uol.com.br/home/um-interprete-modernista-do-brasil/. Acesso em 13 de fevereiro de 2022.

RAÍZES DO BRASIL: Uma Cinebiografia de Sérgio Buarque de Holanda. Direção: Nelson Pereira dos Santos, Produção: Márcia Pereira dos Santos e Mauricio Andrade Ramos. Rio de Janeiro: Regina Filmes, Vídeo Filmes e Rio Filme, 2003, 1 DVD. 

RAMBO, William Amaral dos Passos. Do modernismo ao ensaio histórico: o percurso de Sérgio Buarque de Holanda (1920-1936). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. Disponível em https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/193039/001091160.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 15 de fevereiro. de 2022.

VELLOSO, Monica Pimenta. História e Modernismo. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.